Reabilitação Urbana em Lisboa
A opinião de António Abreu, ex-Vereador (PCP) da Reabilitação Urbana na CML
A Reabilitação Urbana dos Bairros Históricos sofreu nos últimos 8 anos um retrocesso assinalável decorrente de orientações políticas neo-liberais que se traduziram entre o último ano da coligação de esquerda (2001) e o último ano de que há relatórios de gestão (2007) em resultados como:
- Quebra em 41% dos valores executados e passagem das respectivas taxas de execução de 85 para 36%:- Quebra de 30% no financiamento executado;- Quebra de 28% na execução do plano plurianual de investimentos e das respectivas taxas de execução de 75 para 32%;- Quebra em 65% do nº de processos para acesso a financiamento alheio;- Fraca execução dos fundos comunitários disponibilizados a partir de 2004 (cerca de metade);- Quebra em 40% dos processos REHABITA e de 54% no RECRIA.Esta é a linguagem nua e crua dos números que não podem deixar de ser publicados, que escondem sofrimentos prolongados por parte de muita gente e desmentem categoricamente as tiradas grandiloquentes sobre a reabilitação urbana por parte de Santana Lopes e seus sucessores…Estes resultados e outros decorrem dessa política concretizada através de medidas como:. Desorganização e desmantelamento da estrutura administrativa municipal e em particular da respectiva unidade orgânica (DMRU/DMCRU);. Aplicação de menos recursos numa área mais vasta, e criação das SRUs, que não traduzem valor acrescentado ao trabalho da estrutura municipal e se constituem como um sorvedouro de recursos;. Retirada das competências dos gabinetes locais (entretanto designados por UOPs – unidades operativas de planeamento) relacionadas com a gestão integrada do território e a realização de obras com consequências no atraso do seu lançamento, no seu afastamento em relação aos interessados, na menor eficácia das empreitadas e da respectiva fiscalização;. Afastamento das Juntas de Freguesia dos processos e cessação de apoios para estas colaborarem em pequenas intervenções;. Desrespeito pelos valores históricos e culturais existentes nos bairros, expresso na demolição de edifícios que podiam ter sido reabilitados e no desinteresse em assegurar a sua preservação através dos instrumentos jurídicos de planeamento;. Abandono do carácter integrado das intervenções (abordagem simultânea dos aspectos urbanísticos, sociais e arquitectónicos);. Desmotivação de técnicos municipais, provocando a sua fuga e reduzindo assim o saber fazer e a especialização;. Adjudicação de obras a grandes empreiteiros com o aumento de custos que daí decorre, com prejuízo de empresas com a dimensão adequada para a reabilitação de pequenos edifícios e com o saber fazer testado por anos de trabalho nesta área.Em suma, os Bairros Históricos de Lisboa foram votados ao abandono. Os projectos e as obras que em 2001 se encontravam em curso no Castelo, em Alfama no Chafariz de Dentro, e na Rua da Mouraria ficaram por terminar encontrando-se os edifícios em acelerada degradação. Os grandes edifícios municipais com valor histórico-patrimonial, como palácios e conventos, não só não foram restaurados e rentabilizados pela CML como foram vendidos ou deixados à ruína e à pilhagem.As correcções pós-Santana Lopes e Carmona Rodrigues introduzidas pelo actual executivo, não alteraram, de forma determinante, este quadro, como os resultados revelam, salvo no que respeita ao regresso do licenciamento de obras às UOPs, antigos gabinetes locais.
Importa, pois, regressar à reabilitação urbana em Lisboa.
Instrumentos da reabilitação urbana
(…) A Reabilitação Urbana dos Bairros Históricos, sendo um objectivo estratégico da CML, começou por se configurar ainda na gestão do Eng.º Krus Abecasis com a criação de dois gabinetes locais na colina do Castelo, por pressão das populações e com um papel importante de juntas de freguesia já então de maioria comunista.
Estes instrumentos, depois alargados com a coligação de esquerda a outros bairros e reforçados, com uma Direcção Municipal própria, com instrumentos legais específicos de planeamento, com a interdisciplinaridade (engenheiros, arquitectos, fiscais, medidores orçamentistas, historiadores, assistentes sociais, etc.), obtida com a atracção de técnicos de outras unidades orgânicas, critérios técnicos próprios de intervenção em bairros que se queriam preservar bem como aos respectivos residentes, apoios próprios de planeamento e gestão urbanos e de gestão de empreitadas e com um novo estilo de relacionamento com as populações, foram essenciais no desabrochar deste processo de reabilitação urbana.
A eficácia da intervenção dos gabinetes locais e o acompanhamento permanente pelos interessados foram facilitados com a agregação de competências que permitia acompanhar cada processo, da identificação do problema até à realização da obra, própria ou a fiscalização das intervenções dos privados.Destas e doutras coisas resultou um progresso assinalável na reabilitação do edificado isolado ou em projectos integrados, um novo peso deste investimento no orçamento municipal, nova capacidade para influenciar a criação ou melhoria de programas de apoio como o RECRIA, REHABITA, SOLARH, etc., com o crescente recurso a estes por parte do município e dos particulares, uma nova visibilidade deste tipo de reabilitação e de satisfação das populações, um reforço do papel das Juntas de Freguesia.
Mas também os anos de oposição, sem poder executivo, em que, mantendo tais características, Santana Lopes saiu derrotado, isolado, para agora regressar, apostando no esquecimento de uns e na recusa da memória por outros.
Habitação por conservar: os números e a conversa fiada...
A reabilitação urbana dos bairros históricos, por diversas especificidades (técnicas e materiais de construção, peso maior de necessidades de conservação e reabilitação, menor rentabilidade do investimento privado, laços sociais particulares, dimensão e especialização de empresas de construção indicadas, etc.), deve ter um enquadramento legislativo, de planeamento urbano distintos, ter uma estrutura municipal própria, com várias valências integradas e um maior entrosamento com os residentes.
Mas em todo o resto da cidade, para além do seu casco antigo, as necessidades de conservação e reabilitação existem e, em alguns casos, atingem níveis preocupantes.
Em palavras todos reconhecemos que grande parte do nosso parque habitacional precisa de ser conservado e/ou reabilitado, tiram-se efeitos especiais destes ou daqueles dados, geralmente com poucos estudos ou estudos e planos sobre aspectos muito parcelares
Depois vamos olhar para o investimento feito e as grandes intenções esboroam-se…
Para só falar daquilo que é responsabilidade directa da CML ou em que esta actua como parceira ou por razões ponderosas, assistimos a um descalabro desde o final da coligação de esquerda dos anos noventa.
De 12 milhões de euros de execução do plano em 2001 passou-se para 1,2 em 2007 (o relatório de gestão de 2008 só será aprovado daqui a umas semanas), e de 74% de taxa de execução para 27%…
Esta tendência atingiu particular gravidade nos bairros municipais que, como se sabe atingiram crescente dimensão. Aqui de 4,5 milhões de euros em 2001 passou-se para 0,3 em 2007 com as taxas de execução a caírem de 70 para 18%.
Os números decrescem e ilustram bem a incúria, o desprezo que contradiz o discurso oficial, as opções de classe na despesa realizada.
Em Lisboa, a média de idades dos edifícios em utilização habitacional é de cerca de 50 anos e o número de fogos devolutos ultrapassa os 40 mil. A maior parte dele é particular e os proprietários não terão recursos para o fazer. Quer sejam eles arrendados quer sejam habitados pelos próprios proprietários.
Também o município tem escassez de recursos, apesar dos programas de co-financiamento de obras pelo Estado a que, contraditoriamente (ou não), quer o município quer os particulares tem recorrido menos…
Outros fogos particulares carentes de conservação e reabilitação são deixados degradar para que os seus locatários se vejam forçados a abandoná-los ou a receber “indemnizações” ridículas por isso.
Obviamente não é esse o caso do município. Neste caso os fogos que estão vazios, até por isso se degradam mais depressa e ficam menos disponíveis para corresponderem às necessidades do município em realojamentos.
Mas um programa de reabilitação sistemático recorrendo ao co-financiamento poderia e deveria ser realizado com outra eficácia e uma vontade política mais determinada. Não para serem atribuídos de forma pouco clara mas para acorrer às necessidades sempre existentes de realojamentos temporários ou definitivos.
Dos 60 692 mil fogos existentes em 1960 passou-se para 292 065, em 2001. Mas, conforme os dados municipais revelam, apesar disso, nos últimos 20 anos, e acompanhando uma tendência comum a outros grandes centros urbanos, sujeitos a enquadramentos neo-liberais e aos respectivos movimentos especulativos em vários mercados, a cidade perdeu cerca de um terço da população (em 1981 residiam em Lisboa 796 534 mil pessoas e, em 2001, já só viviam 564 657 mil pessoas).
Esta perda de população não está directamente relacionada com o estado do parque habitacional.
Não é possível suster esta perda de população se de forma combinada não se actuar simultaneamente a vários níveis como na maior oferta de postos de trabalho, na redução dos preços leoninos da habitação e das rendas, agindo sobre o mercado, no suster da especulação e no assegurar na habitação nova uma percentagem de fogos para venda a custos controlados e para arrendar a preços suportáveis.
E aqui é outra política que se impõe para não continuarmos a alimentar ilusões.